sexta-feira, 22 de maio de 2009

INVERNO NO INFERNO



Salvador é uma cidade que, normalmente, quem conhece não quer mais ir embora. Tem praias maravilhosas, comidas deliciosas, já foi cantada por muitos artistas, seu povo é hospitaleiro por excelência, e tem aquela máxima de que “é verão o ano todo”. Mas num é bem assim. Hoje, por exemplo, eu vivi uma verdadeira odisséia para conseguir completar um percurso que normalmente faço em 20 min: de minha casa para o trabalho.

Eu sou uma pobre meio metida. Num tenho um puto no banco, ganho mal (rzs), num tenho “paitrocinador”, mas só freqüento as melhores festas, uso as melhores marcas, vou nos melhores bares e nas melhores academias e tenho os melhores amigos. Num tenho carro, mas só ando de carrão, isso porque a maioria dos meus amigos tem carro e sempre me dão carona, de forma que, dificilmente pego um buzú.
Mas hoje, justamente hoje, com aquela chuva sacana que caiu durante toda madrugada e continuou durante o dia transformando a rua num rio, minha grande amiga e colega de trabalho que mora no mesmo bairro que eu, resolveu levar o carrão dela na concessionária. Logo, fiquei sem carona e tive que “paletar” até o ponto de ônibus. Reparem a minha labuta.

Jó, minha amiga porreta que quebra meu galho e me leva e trás todo dia, de casa pro trabalho, do trabalho pra casa (e pros “regues”), tinha me avisado na noite anterior que não me buscaria em casa porque o carro tava necessitando de revisão, então ela iria aproveitar a manhã de sexta pra levá-lo até a concessionária. Dormi rezando para que não chovesse. Em vão. Acordei com o maior “toró” (expressão que significa: chuva forte da porra). Quando abri a janela do quarto que olhei pra baixo: – “eita porra!!!!!”. O estacionamento do condomínio tava cheio d’água, mas ainda tinha uns trechos que davam pra passar. Resolvi me apressar pra que a chuva não piorasse.
Coloquei uma calça jeans, camiseta, tênis uma blusa de frio (só pra proteger o corpo da chuva, já que o calor continuava o mesmo), peguei she-ha (minha sombrinha) e saí.
Anselmo, o porteiro, todo encapotado, se encolhendo todo, com as mãos de baixo dos braços cruzados– numa posição clássica de “braw” - dentro da guarita do prédio, já começou a me zoar: - justo hoje vai de buzú??? Se lenhou! Não perdi minha educação e mandei pra ele um “bom dia” mais ou menos assim: “vá se lascar Anselmo”, e me piquei.
A rua que desce o condomínio, ainda tava tranqüila - apesar das crateras estarem submersas, fazendo vários motoristas que não conhecem a sua realidade, sucumbirem com os carros nos buracos, jogando água nos que passavam na rua. Uma mulher que ia á minha frente tentou correr pra não ser atingida, mas não deu tempo. O carro passou em um buraco jogando aquela água suja (um misto de lama, água e esgoto), encharcando a mulher toda.
Ela parou se esticou toda (jogou a sombrinha pro alto), olhando de cima pra baixo o estrago na sua roupa e gritou: VIAAAAAADO. Eu ajudei: VIAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAADO – pra ser solidária com a criatura - mas por dentro tava rindo pra porra. É foda, mas é engraçado!
Ela voltou, praguejando contra a humanidade(certamente pra casa, pra trocar a roupa) e eu segui.
A rua principal era o verdadeiro Rio Joanes.
Os carros pequenos se aventuravam (tudo que é pequeno é ousado. Me lembrei até de um cachorro pequenês quando vi um Ford K passando. Só dava pra ver a cabeça da motorista toda esticada lá dentro). Os ônibus quando passavam geravam verdadeiras tsunamis enormes quase cobrindo os carros pequenos.



Como é que vou atravessar essa zorra? Me lembrei que um pouco mais adiante, tem um quebra-mola monstruoso e fui pra lá. Esperei quase 20 min de carros e ônibus passando, jogando água pra todo canto, até que finalmente consegui chegar do outro lado. Já ia cantando vitória por ter conseguido chegar à orla, com a rua alagada daquele jeito, sem ter me molhado, quando passou um exú-aquático-mirim indo pra escola (todo embrulado numa capa de chuva amarela) numa bicicleta, me molhando as pernas. O “satanazinho” ainda saiu rindo. Desejei que ele se "disgraçasse" todo, no primeiro buraco.
Quando finalmente cheguei na orla é que a “dirgaceira” se deu: um festival de sombrinhas pelo avesso, criaturas de cabelo-de-verão correndo pro ponto, protegendo a cabeça com bolsas, casacos, pastas(É por isso que eu adoro meus cachos!). Outras, mais calmas, passavam gloriosas, com as cabeças envoltas por sacolas plásticas do bom preço. O importante era não molhar a “capulca” (palavra muito falada por Larissa, que significa Cabelo).

Fiquei no único ponto de ônibus em Salvador que não foi trocado por aqueles de vidro bonitinhos (projetados por um tal urbanista francês, que num protegem porra nenhuma), aqueles antigos de concreto armado, cheio de goteiras e ameaçando cair a qualquer momento.



Depois de mais de meia hora, peguei um buzú cheio – achei até que estava num país nórdico. Os loucos daqui dessa cidade são todos sugestionáveis. Basta cair uma chuvinha mais forte e a “TV” anunciar que chegou uma frente-fria, que eles levam ao pé da letra, desengavetando as calças moletom, os casacos de couro “falsiê”, os gorros dos times do coração (até cachecol eu vi). Um verdadeiro circo.
As janelas todas fechadas. O povo chega tremia de frio.
Mas que frio? Eu com um calor da porra, suando, a sombrinha gigante pingando, a bolsa pesadona (tinha colocado a roupa da academia, um suquinho, biscoitinho e um livro pra ler no ônibus – piada, né?!) fazendo o maior malabarismo pra tirar minha blusa de frio naquele espaço apertado, respirando aquele ar abafado. Fui ganhando espaço à cotoveladas (minha altura ajudou) e colei junto do cobrador (o único ser humano normal dentro daquele expresso do inferno) que abriu a janela dele. Pelo menos dava pra respirar.

E o engarrafamento? O ônibus não andava. O transito não andava. Nada andava. E a chuva desabando.

Depois de quase 1 hora, finalmente cheguei ao meu destino.

Enquanto escrevo, com um olho na tela do computador e outro na janela da sala, verifico que a chuva continua. Fico pensando: E de noite, como será minha volta pra casa?



fergos 22/05/09

Um comentário:

  1. Patty impossível não rir com a sua literatura cotidiana, parece que tô ouvindo vc contar sua aventura para chegar ao trabalho. Nestes dias de chuva em Salvador a única coisa a fazer é pacientar-se, novo verbo para encarar engarrafamentos, buracos, goteiras,ônibus cheio, gente louca, desabamento, etc ou então usar uma expressão básica pra não morrer de raiva " Puta que o pariu , tá foda!!!!!"
    Bjos!!!!

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